Pouco mais de dois anos após o escândalo de assédio sexual e moral envolvendo a gestão de Pedro Guimarães, a Caixa foi condenada em ao menos quatro processos e assinou dois acordos no âmbito trabalhista que, somados, chegam a R$ 14 milhões.
A cifra, no entanto, pode subir substancialmente a partir de um processo movido pela bancária Edneide Lisboa, viúva do ex-diretor de Controles Internos e Integridade Sérgio Batista, que cometeu suicídio na sede da Caixa, em Brasília, em julho de 2022.
Integrantes do Poder Judiciário afirmaram à reportagem, sob a condição de anonimato, que o banco foi condenado neste ano a indenizar a viúva de Sérgio por danos morais. O valor, segundo essas autoridades, é o maior da história na área trabalhista.
A reportagem apurou que a defesa de Edneide pedia à Caixa indenização no valor de R$ 40 milhões, com o argumento de que o suicídio de Sérgio deveria ser enquadrado como acidente de trabalho. O advogado da viúva, Roberto Caldas, foi procurado, mas não quis se manifestar.
A ex-presidente da Caixa Rita Serrano, demitida do cargo para abrigar aliados do centrão no governo, determinou que o banco cobrasse de Guimarães os valores gastos com o pagamento de multas e indenizações.
A Caixa não informou se o presidente atual, Carlos Antônio Vieira Fernandes, mantém a determinação da antecessora.
Em abril do ano passado, o banco pagou multa no valor de R$ 10 milhões e fechou um acordo judicial para encerrar a investigação do MPT (Ministério Público do Trabalho) sobre os episódios de assédio sexual e moral.
Em janeiro deste ano, um termo de ajustamento de conduta foi assinado com o MPT após a constatação de que empregados que chegaram ao topo da carreira foram perseguidos pela gestão de Guimarães e rebaixados de função.
A Caixa também foi condenada em processos movidos em São Paulo, Amazonas e no Distrito Federal. Em um deles, apresentado pela Fenag (Federação Nacional das Associações dos Gestores da Caixa Econômica Federal) em 2020 por assédio moral -portanto antes da repercussão do caso-, o banco foi condenado a pagar R$ 400 mil.
Em outro, movido pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, a Justiça condenou a Caixa ao pagamento de R$ 3,5 milhões pelo episódio de 2021 em que o ex-presidente coagiu funcionários a fazerem flexões.
Um funcionário da Caixa que foi obrigado por Guimarães a comer pimenta também conseguiu na Justiça indenização por danos morais no valor de R$ 52 mil.
Fora da presidência do banco desde outubro do ano passado, Rita acrescenta que, além do dinheiro efetivamente gasto nos processos judiciais, o caso de Guimarães fez um estrago difícil de ser calculado.
“O que não se conta é o custo das ações dele [Guimarães] para a imagem da instituição. Como a Caixa é uma empresa pública, não tem ações em Bolsa, você não visualiza isso. Mas quanto o banco perde em credibilidade quando essas coisas acontecem?”, questiona.
Apesar de o caso ter avançado na esfera trabalhista, mulheres que denunciaram Guimarães por assédio e importunação sexual ainda aguardam decisão da Justiça. Uma audiência de instrução está prevista para os próximos dias.
No fim de 2022, ano em que o escândalo veio à tona, a Caixa entregou às autoridades a investigação própria feita pela corregedoria e por uma empresa externa. O relatório de aproximadamente 500 páginas apontou indícios de crime, segundo relatos.
O advogado de Guimarães, José Luis Oliveira Lima, afirma que o executivo “jamais praticou crimes, confia na Justiça e tem certeza de que a verdade virá à tona”. A defesa também “repudia veementemente” a investigação feita pela Caixa.
“Durante as apurações, a defesa chegou a questionar a evidente parcialidade da comissão interna, registrando a falta de isenção na formulação de perguntas e na solicitação de documentos, que tinham por objetivo corroborar conclusões já existentes, ao invés de apurar a verdade dos fatos”, diz a nota.
“As conclusões do relatório da Caixa Econômica Federal, alcançadas em procedimento arbitrário, no qual foram desrespeitados os mais básicos princípios de isonomia e isenção, e em nada contribuem para o esclarecimento das apurações”, completa.
Assim como outras pessoas procuradas pela reportagem, a advogada das vítimas, Soraia Mendes, não quis falar sobre o processo criminal e alegou que o caso está sob sigilo.
Mendes enviou apenas uma nota em que afirma que vê semelhanças entre a postura de Guimarães e a do ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, demitido depois de ter sido acusado de assédio sexual e moral.
“Por tudo que é público de ambos casos, há um paralelo. Pessoas que estão em cargos de poder, várias vítimas, assédio moral, assédio sexual. E o ex-ministro cumpriu o prêt-à-porter [expressão em francês que indica figurino pronto para vestir] do agressor dizendo ‘sou um bom pai, sou um bom marido’”, diz.
“E ele fez também gestões para que as vítimas sejam denunciadas pelo crime de denunciação caluniosa. Tem paralelo, e tem paralelo também em como a defesa pública vem”, conclui a advogada na nota.
Um dos pontos do acordo assinado com o MPT previa a volta de pesquisas internas com os funcionários -abandonadas durante a gestão de Guimarães. A Caixa não divulgou os resultados, mas afirmou ter realizado duas pesquisas no ano passado.
A empresa também informou que a direção atual mantém a carta que Rita e os então vice-presidentes assinaram no começo do governo em que se comprometem a combater práticas de assédio sexual, moral e outras formas de violência.
“A Caixa enfatiza que não tolera nenhum tipo de assédio por parte dos seus dirigentes ou empregados e informa que fortaleceu sua governança para investigar denúncias, proteger denunciantes e colaboradores do banco, bem como a própria instituição”, disse em nota.
“Além das medidas judiciais e correcionais, foram reforçadas e implementadas ações de combate às práticas de assédio sexual, moral e discriminação no banco”, completou, acrescentando que continua à disposição das autoridades.