Governo Lula estuda blindagem jurídica contra a Lei Magnitsky; STF e Itamaraty já pavimentam o terreno
O governo Luiz Inácio Lula da Silva avalia adotar no Brasil um mecanismo à la “estatuto de bloqueio” europeu para neutralizar, no território nacional, efeitos de sanções estrangeiras como as aplicadas sob a Lei Global Magnitsky. A ideia — ainda sem texto oficial publicizado — ganhou corpo após os Estados Unidos sancionarem o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em 30 de julho. Nos documentos oficiais de Washington, o nome do ministro foi incluído na lista de sancionados (SDN) e o Tesouro detalhou a base legal da medida.
Em paralelo, o Itamaraty endureceu o tom. Em nota pública anterior e reafirmada depois das retaliações, o Ministério das Relações Exteriores condenou “manifestações indevidas” de autoridades norte-americanas que, na avaliação do governo, configuram ingerência em assunto de responsabilidade do Judiciário brasileiro. A chancelaria já sinalizava que o Brasil não admitiria pressões externas sobre decisões internas.
No plano jurídico interno, o movimento mais contundente veio do STF. Em 18 de agosto, decisão do ministro Flávio Dino afastou a eficácia automática, no Brasil, de decisões, leis, ordens executivas e atos administrativos estrangeiros — sem a devida homologação judicial brasileira ou cooperação internacional — consolidando uma barreira formal a efeitos extraterritoriais. Embora o caso concreto envolva litígios ambientais no Reino Unido, o entendimento alcança, por princípio, tentativas de impor atos unilaterais de Estados terceiros sobre pessoas e bens em território nacional.
O modelo em discussão no Executivo toma como referência o Estatuto de Bloqueio da União Europeia (Regulamento 2271/96), que protege cidadãos e empresas do bloco contra a aplicação extraterritorial de certas leis de países terceiros e declara sem efeito, dentro da UE, determinações que contrariem essa proteção — arcabouço frequentemente citado quando governos buscam respostas “domésticas” a sanções externas.
O pano de fundo é a escalada de atritos bilaterais após a inclusão de Moraes na lista de sancionados de Washington, o que acarreta bloqueio de bens sob jurisdição dos EUA e veda transações com pessoas e empresas norte-americanas — com potenciais repercussões sobre bancos brasileiros expostos ao sistema financeiro norte-americano. A própria OFAC e o Departamento de Estado explicitaram o enquadramento na Global Magnitsky; analistas e relatos de mercado vêm apontando consultas regulatórias a instituições financeiras brasileiras sobre o cumprimento das sanções.
Quadro político e próximos passos — Até aqui, o Planalto não protocolou proposta formal no Congresso, mas o tema já gerou reação legislativa. Na Câmara, surgiram iniciativas visando “barrar efeitos” de sanções estrangeiras, em movimento que deverá esbarrar no debate sobre soberania, segurança jurídica e riscos de retaliação comercial. O desenho final de uma eventual lei brasileira — caso siga a matriz europeia — tende a: (1) proibir o cumprimento, no país, de certas ordens/sanções ditadas por potências estrangeiras; (2) garantir meios de reparação a brasileiros/empresas punidos por obedecer a tais ordens; e (3) exigir autorização judicial para qualquer execução no Brasil de atos praticados no exterior. A controvérsia central será como compatibilizar essa “blindagem” com a realidade operacional de bancos e multinacionais que dependem do dólar e de licenças dos reguladores dos EUA.
Contexto essencial — O programa Global Magnitsky permite a Washington sancionar indivíduos por graves violações de direitos humanos e corrupção; a base vem de ordem executiva que implementa o ato no âmbito do Tesouro e do Departamento de Estado. No caso brasileiro, a contestação oficial sustenta que o uso do instrumento contra um ministro do STF fere a independência do Poder Judiciário e a soberania nacional — tese amparada pelas manifestações do MRE e pelo reforço jurisprudencial recente do Supremo contra a imposição de efeitos extraterritoriais sem chancela doméstica.
O que observar a seguir • Publicação, pelo Executivo, de minuta ou exposição de motivos inspirada no regulamento europeu.
• Eventual ampliação de sanções de Washington e seus reflexos em bancos e conglomerados brasileiros.
• Judicialização: novos pedidos ao STF para impedir que empresas apliquem, no Brasil, sanções estrangeiras sem homologação.
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