As principais agências reguladoras federais relatam cortes orçamentários e déficit de pessoal que atingem, em cheio, atividades de fiscalização e serviços ao cidadão. Documentos oficiais, apresentações ao Congresso e votos internos mostram queda de recursos, equipes reduzidas e suspensão de rotinas técnicas em setores críticos como combustíveis, energia, transportes, telecomunicações, aviação civil e vigilância sanitária. A seguir, os exemplos concretos que fundamentam o quadro.
ANP: orçamento cortado e programas técnicos suspensos
• A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis informou, em apresentação à Câmara (5/8), que a dotação de 2025 passou por bloqueio/contingenciamento de R$ 140,6 milhões para R$ 105,7 milhões, com posterior “descontingenciamento” parcial para R$ 133,4 milhões. Entre os impactos listados: suspensão do Programa de Monitoramento da Qualidade de Combustíveis (PMQC) e do Levantamento de Preços de Combustíveis, além de redução na fiscalização.
ANTT: quase metade dos cargos vagos, fiscalização sob pressão
• Voto da diretoria (31/7) registra 918 servidores ocupando 1.705 vagas (só 53,96% do quadro), evidenciando déficit estrutural em atividades-fim da regulação do transporte terrestre.
• O ambiente de fragilidade se soma a investigações de 2024 sobre corrupção na fiscalização no RJ, com prisões e denúncias contra servidores, expondo vulnerabilidades de integridade e controle interno.
ANEEL, ANM, ANATEL, ANAC e ANTAQ: o que disseram no Senado
Em audiência da Comissão de Infraestrutura (9/7), as agências relataram, entre outros pontos:
• Aneel: corte de 145 terceirizados (TI, segurança da informação, atendimento), fechamento temporário de Ouvidoria e redução de horário de atendimento.
• ANM: apenas quatro servidores para acompanhar cerca de 40 mil lavras ativas no país — “um absurdo”, disse o diretor-geral Mauro Henrique Moreira Sousa.
• Anatel: redução de ações de campo em parceria com Polícia Federal, Anac e PF/Receita, inclusive operações antipirataria e projetos com a Justiça Eleitoral.
• Anac: queda de 60% nas inspeções e na certificação de aeronaves, impactando segurança operacional e previsibilidade do setor.
• Antaq: restrições orçamentárias afetando rotinas administrativas e de fiscalização portuária.
Anvisa: bloqueio de R$ 59,2 milhões em 2025
• Apresentação técnica da Anvisa à Câmara (5/8) confirma contingenciamento e bloqueio de R$ 59.249.798 — 24,8% da dotação disponível —, com impacto direto em ações estruturantes e no controle sanitário de portos, aeroportos e fronteiras.
Anatel: menos orçamento disponível que a arrecadação setorial e quadro aquém do autorizado
• A agência tem 1.278 servidores para 1.690 vagas autorizadas (déficit de 24%); a informação consta em ofício no SEI da própria autarquia.
• Mesmo superavitária no conjunto do setor, a Anatel informou aos deputados que acessa apenas cerca de 5% do que é arrecadado via taxas e fundos setoriais — o restante segue para o Tesouro e outras finalidades.
• Em julho, abriu 50 vagas de nível técnico via CNU para recompor minimamente o quadro, com provas marcadas para outubro.
ANEEL: superávit setorial não vira fôlego operacional
• Embora a Taxa de Fiscalização dos Serviços de Energia Elétrica (TFSEE) some bilhões por ano, parte relevante não se traduz em execução orçamentária para a agência. Em 2024, por exemplo, projeções indicavam R$ 1,22 bilhão em receitas da TFSEE para custos operacionais estimados em ~R$ 360 milhões — sinal de que a restrição não é de “arrecadação”, mas de uso autorizado dos recursos.
Causa-matriz: bloqueios e contingenciamentos federais em 2025
• O Ministério do Planejamento confirmou, em 30/5, contenção total de R$ 31,3 bilhões no Orçamento 2025 (R$ 10,6 bi de bloqueio + R$ 20,7 bi de contingenciamento), distribuída por decreto. Nota técnica do Senado detalha a medida e seus percentuais.
• Em julho, líderes da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo relataram tratativas do governo para descontingenciar parte dos recursos das agências — promessa ainda a ser confirmada na execução.
Por que isso importa (efeitos práticos já sentidos)
• Combustíveis: suspensão do PMQC e do Levantamento de Preços reduz transparência ao consumidor e dificulta o combate a fraudes e adulterações.
• Energia elétrica: cortes de pessoal e TI na Aneel limitam análise regulatória e atendimento, afetando previsibilidade regulatória e resposta a reclamações.
• Transporte terrestre: déficit de servidores na ANTT restringe fiscalização de concessões rodoviárias e transporte de cargas e passageiros, com risco a segurança e qualidade.
• Telecom: menos ações de campo contra pirataria e interferências e menor apoio a operações conjuntas e à Justiça Eleitoral.
• Aviação: queda de 60% nas inspeções e certificações pode atrasar introdução de aeronaves/processos e aumentar riscos operacionais.
• Vigilância sanitária: bloqueio na Anvisa pressiona atividades estruturantes e o controle em portos, aeroportos e fronteiras, essenciais a emergências sanitárias.
Contexto ampliado das receitas setoriais
• Telecomunicações recolheram R$ 4,1 bilhões em 2024 para fundos (Fust, Fistel, Condecine, Funttel e CFRP); historicamente, a maior parte desses valores não retorna à política setorial ou às agências.
O que falta fazer (pontos de política pública)
-
Blindagem orçamentária: assegurar às agências acesso estável a parte das taxas/fundos que elas ajudam a arrecadar, evitando descontinuidade de fiscalização e serviços de informação.
-
Reposição e qualificação de quadros: concursos perenes, realocação e política de retenção para áreas críticas (fiscalização, TI, análise econômico-regulatória).
-
Transparência e accountability: divulgação contínua dos impactos dos cortes (planos de fiscalização, painéis de indicadores, listas de atividades suspensas) para permitir controle social e correção de rumo.
Chamada às redes
Gostou deste conteúdo? Siga o DFMobilidade nas redes: Instagram (https://instagram.com/dfmobilidade) | X/Twitter (https://twitter.com/dfmobilidade) | Facebook (https://facebook.com/dfmobilidade). Compartilhe e marque @dfmobilidade para alcançar mais leitores.