A dívida do setor público brasileiro encostou na casa dos 90% do PIB quando medida pelo critério do FMI — que inclui os títulos do Tesouro mantidos na carteira do Banco Central — e alcançou 77,6% do PIB pela métrica oficial do BC em julho. O recado é direto: a combinação de gasto rígido e receitas incertas pressiona o prêmio de risco e trava a queda dos juros. No placar das expectativas, o mercado segue prevendo Selic a 15% no fim de 2025. O relógio fiscal corre mais rápido que a paciência do crédito.
Por que os números divergem
Há dois termômetros para a dívida. O do Banco Central (DBGG) soma Tesouro, INSS, Estados e municípios e marcou 77,6% do PIB (R$ 9,6 trilhões) em julho. O do FMI, padrão internacional (PSDS), acrescenta os papéis do Tesouro em poder do BC — o que eleva o indicador para a faixa de 90% neste ano. A diferença não é semântica: quanto maior a dívida bruta sob critérios globais, maior a sensibilidade a choques de juros, câmbio e crescimento.
A conta de juros que não fecha
Com quase metade da Dívida Pública Federal (DPF) atrelada diretamente à Selic — 49,25% em julho — cada reunião do Copom tem efeito quase imediato no custo do Tesouro. Em 12 meses até julho, os juros nominais pagos pelo setor público somaram R$ 941,2 bilhões (7,64% do PIB). É um dreno que encarece o crédito, puxa a curva de longo prazo e inibe investimento. Nesta conjuntura, o Focus mantém a Selic em 15% no fim de 2025 e só começa a enxergar cortes em 2026. A matemática não fecha — e o juro sempre cobra.
O preço da incerteza fiscal
A deterioração do quadro não nasceu do nada. O primário voltou ao negativo e a própria Fazenda reduziu a projeção de crescimento para 2025, reconhecendo desaceleração da atividade sob política monetária restritiva. O Tesouro projeta alta relevante da dívida bruta nesta gestão e, sob o cenário do FMI, a razão dívida/PIB fica elevada por anos, estabilizando perto de 99% em 2030 sem um esforço fiscal mais ambicioso. Enquanto o governo flexibiliza metas e empilha exceções no Orçamento, a credibilidade da âncora fiscal se esgarça — e o prêmio de risco sobe.
O que falta na política econômica
O diagnóstico é conhecido e está nas recomendações do próprio FMI: 1) trajetória crível para superávit primário, com corte de despesas obrigatórias ineficientes e revisão de pisos e indexações; 2) redução de renúncias tributárias e melhora da administração da receita sem elevar distorções; 3) clareza e previsibilidade da regra fiscal, com alvo de médio prazo que ancore expectativas; 4) gestão ativa do perfil da dívida para reduzir a parcela pós-fixada à Selic e alongar vencimentos. Sem isso, a dívida segue crescendo mais pelo juro do que pelo investimento — e a economia paga a conta com crédito caro e crescimento morno.
Contexto que o governo prefere ignorar
Os dados oficiais são inequívocos: DBGG em 77,6% do PIB, primário no vermelho, juros nominais perto de 8% do PIB e metade da DPF sensível à Selic. O resultado é uma economia que desacelera, contratos de DI que oscilam ao sabor do risco e um Banco Central encurralado entre inflação acima da meta e a fragilidade fiscal. A política econômica insiste em empurrar o problema à frente; o mercado, em contrapartida, embute esse risco no preço do dinheiro. Quando a casa da dívida chega aos 90% do PIB, não há “narrativa” que segure a porta.
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