No principal fórum de segurança da Ásia, o Diálogo de Shangri-La, em Singapura, realizado em 31 de maio de 2025, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, advertiu que a ameaça representada pela China “é real e pode ser iminente” e conclamou aliados a reforçarem suas defesas sem demora, apontando para um cenário de possível conflito militar na região do Indo-Pacífico.
Em discurso incisivo, Hegseth afirmou que Pequim tem empreendido treinamentos diários e investido pesadamente em capacidade bélica voltada para uma eventual invasão de Taiwan, cujo estatuto de ilha autônoma é rejeitado pelo governo chinês, que o considera território seu. “Não há motivo para adoçar as coisas. A ameaça que a China representa é real e pode ser iminente”, declarou Hegseth, destacando que qualquer tentativa de conquista de Taiwan causaria “consequências devastadoras para o Indo-Pacífico e para o mundo” . Essas afirmações representam um dos posicionamentos mais duros de Washington contra Pequim desde a retomada da presidência de Donald Trump, em janeiro de 2025.
Hegseth sublinhou que a região do Indo-Pacífico passou a ser “prioridade estratégica” para os Estados Unidos, ressaltando que as atuais orientações do Pentágono buscam deslocar o principal foco de segurança do Oriente Médio e da África para o teatro asiático, com ênfase na dissuasão de uma eventual agressão chinesa. Ao citar exemplos de países europeus que elevaram seus orçamentos de defesa para, em média, 5% do PIB, como é o caso da Alemanha, o secretário de Defesa exortou as nações asiáticas a seguirem esse modelo e a “aumentarem rapidamente suas próprias capacidades de defesa” . Na visão de Hegseth, sem uma “postura compartilhada de responsabilidade”, os Estados Unidos acabariam sendo acossados simultaneamente por ameaças emergentes em múltiplas frentes.
Segundo dados apresentados pelo International Institute for Strategic Studies, publicados recentemente no âmbito do próprio Diálogo de Shangri-La, o gasto médio em defesa dos países do Sudeste Asiático situava-se em torno de 1,5% do PIB, patamar considerado insuficiente para conter a crescente projeção militar chinesa . Países-chave da região, como Coreia do Sul, Japão, Austrália e Filipinas, vêm expandindo seus investimentos, mas ainda estariam aquém do volume recomendado pelos Estados Unidos. Hegseth destacou, ainda, que a aliança trilateral AUKUS, composta por Austrália, Reino Unido e Estados Unidos, concretiza a transferência de tecnologia militar avançada — incluindo submarinos de propulsão nuclear para a marinha australiana — a fim de aumentar a dissuasão contra qualquer tentativa de expansão chinesa no Indo-Pacífico .
Em contrapartida, a reação oficial chinesa aos alertas de Hegseth foi de recriminação, classificando as declarações americanas como “provocações e instigações” que ameaçam a estabilidade regional. A embaixada da China em Singapura publicou nota rebatendo que “os Estados Unidos são os verdadeiros causadores de problemas para a paz e a estabilidade no Indo-Pacífico”, acusando Washington de fomentar divisões e sensacionalismo ao rotular o país asiático como um agresso adversarial . Além disso, o governo chinês optou por enviar apenas uma delegação de nível inferior ao fórum, o que é interpretado por analistas como sinal de desconfiança frente ao tom adotado por Hegseth, e possivelmente como tentativa de minimizar confrontos diretos durante o evento .
Contexto histórico e implicações estratégicas
A deterioração acelerada das relações entre Estados Unidos e China tem raízes em conflitos econômicos, tecnológicos e diplomáticos que se intensificaram com a imposição de tarifas recíprocas desde 2018. No início de 2025, após cinco anos de disputas comerciais, ambos os países adotaram trégua parcial no embate tarifário, mas as tensões geopolíticas se mantiveram elevadas, especialmente na questão de Taiwan e na militarização de ilhas no Mar do Sul da China por Pequim. Fontes do Departamento de Defesa americano apontam que, desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca, houve uma reorientação na doutrina militar de Washington para privilegiar a dissuasão de rivalidades estratégicas em detrimento de operações no Oriente Médio e na Europa .
Analistas consultados por este portal referem que a ênfase americana no Indo-Pacífico derivou, em parte, de relatórios internos de inteligência que identificaram planos chineses de rapidamente neutralizar as defesas de Taiwan e das ilhas do Pacífico, a fim de consolidar sua influência antes que os aliados pudessem reagir em conjunto. Um memorando confidencial, a que o Washington Post teve acesso em março passado, indicava que o Pentágono planeja “assumir riscos em outras regiões” para concentrar forças no Pacífico, pressionando tanto parceiros asiáticos quanto europeus a arcarem com maior parte dos custos de defesa em suas respectivas regiões . Esse cenário, conhecido nos meios de segurança internacional como “Eixo da Revolta” — envolvendo aliança tácita entre China, Rússia, Irã e Coreia do Norte — reforça a percepção americana de urgência em alocar recursos para conter um bloco autocrático que, no entendimento ocidental, busca reconfigurar a ordem global .
No campo diplomático, o recado de Hegseth sinaliza para aliados tradicionais, como Japão e Coreia do Sul, e também para parceiros emergentes, como Índia e Filipinas, que os Estados Unidos não pretendem recuar em seu compromisso de “estar presentes” no Indo-Pacífico. O secretário de Defesa ressaltou que, sem a cooperação militar conjunta, tanto em exercícios como na troca de inteligência, a capacidade de resposta a um eventual movimento militar chinês seria severamente comprometida. Desde 2024, Washington firmou diversos acordos de cooperação logística e de acesso a bases no Sudeste Asiático, facilitando a movimentação de tropas e equipamentos em cenários de crise .
Repercussão global e possíveis cenários
Embora não haja, até o momento, indícios concretos de que Washington pretenda iniciar hostilidades contra a China de forma imediata, a retórica agressiva de Hegseth reforça a política de “país preparado para guerra” — postura que visa sustentar a dissuasão e, ao mesmo tempo, assimilar governos aliados à necessidade de investir em defesa. De acordo com especialistas em segurança internacional, esse tipo de discurso pode ter efeito ambivalente: se, por um lado, fortalece a convicção de parceiros sobre a seriedade da ameaça, por outro, alimenta discursos nacionalistas em Pequim, que se utilizam dessas declarações para justificar manobras militares e tecnológicas de autoproteção .
Na análise do Instituto para Estudos de Defesa e Política de Segurança da Ásia, sediado em Cingapura, a pressão americana para que aliados asiáticos elevem seus gastos de defesa pode resultar, a médio prazo, em um aumento de pelo menos 20% no orçamento militar de países como Singapura, Vietnã e Indonésia até 2027. A mesma fonte indica que, apesar de cada nação ter circunstâncias geopolíticas distintas, há consenso de que a expansão chinesa — seja na militarização de ilhas artificiais, seja no avanço de capacidades cibernéticas — se tornou prioridade central para as políticas de segurança regional .
Internamente, o governo de Taiwan reafirmou sua disposição de se defender “com todos os meios necessários”, intensificando a cooperação com empresas de defesa ocidentais para modernizar seu arsenal. Já Pequim, em declarações oficiais, assegura que “não busca conflito, mas não hesitará em responder a qualquer tentativa de independência da ilha por meios militares” . Essa dinâmica eleva o risco de erros de cálculo, caso alguma das partes interprete de forma equivocada as ações do adversário, o que pode precipitar um confronto de proporções imprevisíveis.
Considerações finais
A mensagem contundente de Pete Hegseth no Diálogo de Shangri-La reforça o clima de tensão na rivalidade sino-americana, ao mesmo tempo em que busca consolidar o arcabouço de dissuasão por meio do fortalecimento de alianças multilaterais na Ásia. Se, por um lado, o objetivo declarado pelos Estados Unidos é evitar um conflito por meio da demonstração de força, por outro, as declarações podem ter o efeito inverso de catalisar rivalidades que já se encontram em franco crescimento. O futuro imediato da geopolítica asiática permanece imprevisível, mas uma coisa é certa: os aliados dos Estados Unidos — especialmente no Indo-Pacífico — não poderão ignorar o chamado de Hegseth para revisar e ampliar, com urgência, seus orçamentos militares e suas capacidades de defesa conjunta.
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