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ARTIGO – A jogatina e o bode na sala

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Jogo não anda sozinho e está sempre acompanhado do crime. Apesar disso, duas propostas tramitam no Congresso Nacional ; o Projeto de Lei do Senado n; 186/2014 e o PL n; 442/91, da Câmara ;, propondo legalizar os jogos de azar no país. São uma espécie de ;bode na sala;, para desviar a atenção dos reais problemas econômicos que o país está enfrentando. Querem fazer a população acreditar que a legalização resolverá essas questões num passe de mágica, trazendo o dinheiro que falta aos cofres públicos.

Os argumentos pró-legalização não passam de falácias que não refletem qualquer compromisso com o bem-estar e a segurança da população. Legalizar é abrir a porta do imprevisível. A jogatina é legal para quem quer lavar dinheiro. Para os jogadores, significa risco e perdas. Como a maioria das transações é em espécie, os jogos de azar propiciam manobras contábeis e possibilidades para legalizar dinheiro obtido de maneira ilegal.

Atentos a esse tipo de manobras, procuradores da Operação Lava-Jato acompanham os movimentos do Congresso pela retomada da legalização dos bingos, considerados por eles um mecanismo perigoso para lavagem de dinheiro. Em matéria publicada em 24 de janeiro deste ano, o Correio revelou que ;entre os parlamentares investigados pela força-tarefa, pelo menos quatro apoiam a volta do jogo regularizado no país. Um quinto congressista é filho de um dos suspeitos de atuar no megaesquema de corrupção e desvio de recursos da Petrobras e outras estatais de energia por meio de um cartel de empreiteiras;.

Na mesma reportagem, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho, afirmou que a preocupação é séria. E que não há possibilidade de impedir o crime. ;A condição é zero de ter qualquer possibilidade de fiscalização, e quem diz isso é a Receita Federal e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Os dois órgãos já disseram não ter capacidade de fiscalizar bingos para evitar que sejam usados para lavagem;, alertou.

Outro problema da jogatina é que, se legalizada, o tributo será calculado sobre a contabilidade oficial. E alguém acredita que os donos da máfia de jogos contabilizarão tudo o que recebem? Abrirão mão dos lucros exorbitantes? Óbvio que haverá uma contabilidade oficial com tributação ínfima e que o famoso caixa 2, a grande movimentação, continuará impune como sempre, ajudando a corrupção e financiando inclusive campanhas eleitorais políticas.

Em estudo sobre a indústria e o mercado dos jogos de azar nos EUA e Canadá, a economista Michelle Miltons, que atuou na Secretaria de Acompanhamento Econômico dos Ministérios da Fazenda e da Saúde, analisa a relação custo/benefício da legalização e aponta os principais aspectos e desafios regulatórios para os governos locais. Segundo ela, os custos são inestimáveis e de alcance ilimitado, por envolver danos imensuráveis para indivíduos e seus núcleos familiares e sociais, sobrecarregando os sistemas de saúde.

O estudo aponta as medidas que o poder público deve adotar para oferecer ;condições estruturais nas áreas de segurança e saúde pública, fiscalização, limitações e controle, impedindo ; ou pelo menos tentando impedir ; a proliferação dos efeitos maléficos; da expansão dessa atividade. Segundo Michelle, os americanos pagam um alto preço pela política de expansão dos jogos. Em 1999, cerca de 15,4 milhões de americanos sofriam de problemas e patologias associadas ao jogo, desenvolvendo vício e dependência.

A situação se agrava com a probabilidade de crianças e adolescentes sofrerem com patologias e problemas associados ao jogo, em escala maior do que nos adultos. Entre adolescentes, os jogos geralmente estão associados ao uso de drogas e álcool, baixas notas na escola, antecedentes familiares (pais com problemas associados a jogos de azar) e atividades ilegais usadas para o financiamento do jogo. Em 1999, a National Gambling Impact Study Comission (NGSISC) alertou, em relatório, que essa vulnerabilidade pode levar a resultados trágicos, e citou o caso de um garoto de 16 anos que se suicidou após perder US$ 6 mil em bilhetes de loteria.

A sociedade brasileira e os ludopatas e suas famílias, que já sofrem o drama dos efeitos da jogatina, merecem uma discussão mais ampla e profunda sobre essa questão tão complexa, que afetará a vida de milhões de brasileiros. Um debate focado, necessariamente, na íntima e imediata repercussão dessa atividade nos âmbitos econômicos, sociais, médicos, previdenciários e legais.

 

Dr. Paulo Fernando é advogado e Coordenador do Movimento Brasil sem Azar

 

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