Apagão por causa de carros elétricos no DF? Os dados mostram que não

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Em bom português: mais carros elétricos não significam “apagões” no Distrito Federal. A rede do DF é abastecida por subestações robustas do sistema interligado nacional (SIN), passa por ampliações e tem instrumentos para deslocar o consumo para fora do horário de pico. O peso real dessa nova carga, hoje, é pequeno — e as causas mais comuns de blecaute seguem sendo falhas na transmissão, clima severo e vegetação na rede, não o “carro na tomada”.

O que a matéria publicada pela grande imprensa sugere — e por que não procede

A reportagem parte do salto da frota elétrica e levanta o “alerta” de apagões. O próprio texto ouviu a distribuidora e ela disse ter “capacidade do sistema”. Vamos aos fatos técnicos e públicos:

  1. Quem realmente “segura” Brasília. O DF é majoritariamente alimentado pelas subestações Brasília Sul e Brasília Norte, da rede básica (transmissão) operada por Furnas/Eletrobras. A Brasília Sul sozinha já respondeu por cerca de 70% do abastecimento do DF e entorno; é ali que se conectam vários transformadores de altíssima potência (345/138 kV e 345/230 kV). Ou seja, a “espinha dorsal” é dimensionada para patamares de centenas de megawatts, não de poucos megawatts.

  2. Escala importa: em uma ocorrência operacional de 2019, o ONS registrou interrupção de 280 MW no DF associada à Brasília Sul — e a recomposição foi feita por manobras em minutos. Compare isso com a ordem de grandeza do carregamento residencial típico (veja o item “Quanto pesa um elétrico”). Estamos falando de grandezas diferentes.

  3. A rede de distribuição do DF vem sendo reforçada. A Neoenergia Brasília mantém 41 subestações e vem ampliando linhas de 138 kV, modernizando subestações e até usando subestação móvel para reduzir tempos de indisponibilidade durante obras. Exemplos recentes:

    • Nova linha de 138 kV na região leste, interligando Itapoã–Sobradinho, desafogando Brasília Norte e melhorando o atendimento a Planaltina e adjacências.

    • Modernização da SE Ceilândia Sul (beneficia Ceilândia, Samambaia, Taguatinga e Pôr do Sol/Sol Nascente) e ampliações programadas nas SEs Ceilândia Norte e Contagem (Sobradinho I/II).

    • Nova SE Mangueiral para Jardim Botânico/São Sebastião e adjacências.

    • Base operacional em Taguatinga para acelerar atendimento em Taguatinga, Ceilândia, Samambaia, Sol Nascente/Pôr do Sol e Brazlândia.

  4. Tarifa Branca empurra recarga para fora do pico. No DF, o horário de ponta fica basicamente entre 18h e 20h59, com janelas intermediárias às 17h e 21h, e fora de ponta em todo o restante do dia. Quem adere à Tarifa Branca paga menos fora do pico — justamente o que a recarga residencial precisa. Resultado: o incentivo é carregar à noite (ou de dia, para quem tem solar), aliviando o horário crítico.

  5. Brasília é campeã em solar distribuída. O município de Brasília lidera o país em potência de geração distribuída fotovoltaica: aprox. 498 MW (média móvel 06/2025). Essa “fábrica de energia” nos telhados ajuda a achatar a demanda líquida diurna e abre folga para o sistema.

Quanto “pesa” um carro elétrico na rede?

  • Consumo típico de um BEV: 15–25 kWh/100 km (depende do modelo e do uso).

  • Se o motorista roda 40 km/dia, estamos falando de 6–10 kWh/dia por carro.

  • Supondo 14.715 elétricos no DF e metade deles carregando ao longo de 8 horas fora do pico, a potência média extra seria algo entre 4 e 9 MWordens de grandeza abaixo de eventos rotineiros que o ONS e a distribuidora já administram em centenas de megawatts. ONS

Mesmo cenários “forçados” (ex.: 10% da frota simultaneamente em wallbox residencial AC de 7 kW) adicionam algo como 10 MW — ainda um degrau pequeno para uma capital com múltiplas subestações e novas linhas de 138 kV em implantação. (Carregadores AC domésticos comuns são de 7 kW ou 22 kW; rápidos públicos vão de 60 a 150 kW+.)

Carregadores fornecidos pela Livoltek vão oferecer potência de até 120kW. Foto: Divulgação/GWM

As causas reais dos “apagões”

Os episódios que afetam grandes áreas no DF, quando acontecem, costumam estar ligados a contingências na transmissão, clima severo e ocorrências na rede aérea (árvores, ventos, descargas), além de manutenções programadas — não à recarga de veículos elétricos. Os próprios boletins operacionais e notas do ONS/ANEEL mostram a natureza dessas ocorrências e a escala envolvida.

Raio-X energético por cidade/RA do DF (o essencial, sem jargão)

  • Plano Piloto (Asas, Sudoeste/Octogonal, Cruzeiro, Noroeste) — Rede subterrânea se expandindo no Noroeste; 13 subestações locais já implantadas no bairro; apoio estrutural das SEs Brasília Norte/Sul da transmissão. Menos vulnerável a vento/árvore e mais confiável.

  • Águas ClarasSE Águas Claras (138 kV) em expansão/modernização para atender alta densidade de prédios.

  • Taguatinga / Ceilândia / Samambaia / Sol Nascente–Pôr do Sol / BrazlândiaSE Ceilândia Sul modernizada; ampliação na SE Ceilândia Norte; base operacional nova em Taguatinga para resposta mais rápida. Região mais populosa com reforços contínuos.

  • Jardim Botânico / São Sebastião (Mangueiral) / TororóNova SE Mangueiral e obras recentes elevam a qualidade do fornecimento; atende a expansão imobiliária da região.

  • Paranoá / Itapoã / Lago Norte/Lago Sul (região leste e norte)Linha nova de 138 kV Itapoã–Sobradinho desafoga Brasília Norte e melhora o atendimento em toda a borda leste.

  • Sobradinho I/II / FercalAmpliação da SE Contagem (novo transformador de 33 MVA) e projetos na SE Monjolo (138 kV) reforçam a zona norte.

  • Planaltina (inclui Vale do Amanhecer e São José/Rajadinha)SE São José (69 kV) em ampliação; interligações com Sobradinho melhoram a confiabilidade para bairros e áreas rurais.

  • Guará / Park Way / SIA — Área para nova subestação do Guará já destinada pelo GDF; normas técnicas atualizadas para redes subterrâneas no DF (menos falhas por intempéries).

  • Gama / Santa Maria / Polo JKLinha de 138 kV Santa Maria–Polo JK (projetada na rede de obras) melhora o atendimento industrial e residencial do extremo sul.

Resumo do quadro: há um programa contínuo de reforços (linhas de 138 kV, ampliações de SEs, digitalização, subestação móvel) distribuído pelos principais eixos urbanos do DF — exatamente o que se espera para absorver novas cargas de forma segura.

Entre 2022 e 2024, foram emplacados mais de 12 mil veículos elétricos na capital federal, que atualmente conta com cerca de 130 eletropostos. Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

E os carregadores públicos?

O DF já contabiliza ~130 pontos de recarga públicos/semipúblicos instalados, e os modelos DC mais comuns no Brasil vão de 60 a 150 kW (com opções até 180–210 kW em projetos com bateria de apoio). Essas estações são conectadas com estudos específicos de demanda e proteção — não se liga “no improviso”.

Conclusão

O “alerta de apagão” por causa dos elétricos não se sustenta tecnicamente hoje. A espinha dorsal do DF trabalha em patamares de centenas de megawatts; a distribuidora vem reforçando subestações e linhas; a Tarifa Branca empurra a recarga para fora do pico; e Brasília é líder nacional em energia solar distribuída, que ajuda no balanço diário. O que reduz risco de blecaute é planejamento, obras e operação — exatamente o que está em curso.

Fontes técnicas consultadas nesta apuração: Furnas/ONS/ANEEL/EPE/Neoenergia e Agência Brasília, entre outras, listadas nas citações acima.

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