fbpx
Pesquisar
Close this search box.

Pela 5ª vez, ANTT deve adiar decisão que pode levar transporte interestadual a 128 cidades

Foto: Ag. Brasil
Foto: Ag. Brasil

Revisão pode abrir espaço a novas empresas e baratear custo para passageiros, mas grandes grupos pressionam a agência

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) deve adiar pela quinta vez a atualização do marco regulatório que define as regras para o transporte rodoviário coletivo interestadual de passageiros. A diretoria da agência discutiria o texto final do documento em reunião administrativa nesta quinta-feira (5), e as novas regras seriam publicadas na próxima semana.

No entanto, a área técnica da ANTT pediu que o debate fosse postergado, alegando reestruturação de pessoal na equipe. A atualização do regramento vem se arrastando desde novembro de 2021, quando a agência adiou a publicação pela primeira vez. Procurados pelo R7, o Ministério dos Transportes e a ANTT não retornaram até a última atualização desta reportagem.

O principal ponto do conjunto de regras diz respeito à limitação de autorizações para novos atores operarem no setor. A abertura do segmento, não contemplada na última versão da atualização, une o Ministério Público Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal de Contas da União (TCU) e os governos federais sob Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro.

O tema divide até mesmo a ANTT. Apesar do frequente adiamento da discussão, técnicos da agência já se manifestaram pela entrada de novas empresas. Especialista em regulação da autarquia, Felipe Freire da Costa defendeu no mês passado, em comissão na Câmara dos Deputados, que a atualização da norma deve seguir a “livre concorrência, defesa do consumidor e do meio ambiente, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para empresas de pequeno porte”.

Risco de retrocesso
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) representa parte desses novos atores, como a Buser e a FlixBus. Para o diretor-executivo da entidade, André Porto, a atualização do marco “seria a chance para a democratização do setor, beneficiando milhões de brasileiros que usam ônibus para viajar.” Ele argumenta que o último texto enviado pela ANTT, porém, tem “risco de retrocesso”.

“A proposta de minuta apresentada em audiência pública, encerrada em agosto de 2023, vem recebendo sérias críticas. A avaliação é a de que o texto cria impedimentos a uma maior concorrência no setor, mantendo o atual oligopólio das grandes viações, causando prejuízos ao setor e contrariando até decisão do Supremo Tribunal Federal. Essa minuta é completamente diversa de todas as anteriores apresentadas pela agência, desde 2020, e fecha o acesso ao mercado”, alega.

De acordo com Porto, o setor movimenta mais de R$ 30 bilhões por ano. “Mas é extremamente concentrado na mão de grandes viações de ônibus. De cada dez linhas existentes, sete são operadas por apenas uma empresa”, aponta.

Cabo de guerra
O caso, porém, tem outras variáveis. A disputa envolve grandes empresas do setor, que dominam a prestação de serviços desde, pelo menos, a década de 1940. Em suma, essas firmas, geridas por grupos e com ramificações da marca em diversas localidades, pressionam a ANTT a manter a limitação de autorizações a novos atores do segmento.

A Amobitec estima que, atualmente, 75% das rotas brasileiras são operadas pelo grande grupo, composto de empresas tradicionais do setor.

A associação calcula que a abertura do mercado pode incluir 128 cidades no sistema, gerar 15 mil novas linhas e aumentar em 2,5 milhões o número de passageiros atendidos. Com o aumento da concorrência, a associação prevê que os preços podem diminuir em até 40%.

Entre outubro de 2019 e março de 2021, a ANTT chegou a emitir autorizações para novos entes, mas a pressão das grandes empresas levou a agência a suspender o processo. Dados da própria autarquia apontam a melhoria do cenário trazida pela janela. Durante o intervalo, os municípios atendidos por ônibus interestaduais passaram de 1.882 para 2.010, e as empresas autorizadas a operar em todo o país subiram de 152 para 182.

A idade média da frota caiu de 6,8 anos para 5,8 anos, enquanto o preço das passagens se reduziu de 0,243 R$/km para 0,221 R$/km. O custo de uma viagem entre a cidade do Rio de Janeiro e Brasília, por exemplo, com trajeto de 1.169 km, passou de cerca de R$ 284 para aproximadamente R$ 258.

Entenda
Até a criação da ANTT, em 2001, o setor era acompanhado pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), fundado em 1937. Na época do DNER, as linhas foram liberadas para algumas empresas, por meio de permissões. Hoje, os atores que querem entrar no mercado defendem que a ANTT conceda autorizações, mudança prevista na atualização do marco regulatório.

“Era uma espécie de contrato precário”, explica o professor Gildemir da Silva, pesquisador de economia dos transportes e de redes na Universidade Federal do Ceará (UFC) e na Universidade de Brasília (UnB). “Naquela época, entendia-se que o setor não precisava de concorrência. Com o advento da agência reguladora, ela assumiu essas linhas, que já chegaram viciadas”, acrescenta o especialista, que já fez parte da ANTT.

De acordo com o especialista, o sistema de viagens de ônibus não é tão fechado em outros países. “Esse rigor aqui no Brasil impede que outros agentes entrem no mercado. Esse cenário legal tem a ver não com o mercado não suportar competição, mas, sim, com próprios agentes regrarem o processo de entrada de novos atores”, aponta.

“Após a criação da ANTT, quem já tinha as linhas de ônibus autorizadas pelo DNER fez lobby para as regras serem boas para elas e ruins para quem quisesse entrar no mercado”, continua o professor.

Silva destaca que, no início dos anos 2000, um grupo de professores de diversas universidades do país começaram a acompanhar o setor e concluíram que o mercado de transporte rodoviário brasileiro é “concentrado, com característica de concorrência monopolística”. “Foi uma investigação social e acadêmica. Concluímos que o mercado poderia ser aberto e, caso fosse, se tornaria mais eficiente”, define.

As discussões tomaram forma até que, em 2014, foi promulgada uma lei que introduziu o regime de autorização para o setor. A nova legislação passou a vigorar em outubro de 2019, quando novas licenças foram concedidas a agentes alternativos.

O cenário, contudo, durou pouco tempo. Em março de 2021, uma denúncia feita ao TCU levou à suspensão de novos documentos e fechou novamente o mercado. Em janeiro de 2022, no entanto, uma lei promulgada pelo Congresso Nacional validou o novo regime de autorizações. O TCU revogou a proibição de concessões em fevereiro deste ano e, em março, o STF determinou a abertura do mercado.

“De uns cinco anos para cá, o embate tem sido legal, não econômico”, explica o professor Gildemir da Silva. Economicamente, geograficamente e socialmente, é possível que o mercado seja aberto, mas existem barreiras legais. O pessoal do direito identificou que algumas premissas, como a interpretação da Constituição em relação à liberdade econômica, são divergentes. Além disso, tem o aspecto de mudar de permissão para autorização. Com isso, os preços seriam mais flexíveis e poderiam diminuir, mas a qualidade continuaria, porque a prestação seria acompanhada pela ANTT”, conclui.

Outro lado: o que dizem Abrati e Anatrip
As empresas tradicionais do setor de transporte rodoviário interestadual são representadas pela Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), que afirma representar cerca de 80% do PIB setorial, e pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiros (Anatrip).

O R7 questionou as duas entidades a respeito do adiamento da publicação das novas normas. Em nota, a Abrati destacou que “acredita ser vital abordar o tema com extrema responsabilidade, especialmente por tratar-se da prestação de um serviço público de caráter essencial, como determina a Constituição Federal” e que “os dados, informações e opiniões obtidos pela ANTT contribuíram para estruturar uma norma que promova avanços e preserve a segurança para o setor, tanto no que diz respeito aos operadores quanto para os passageiros, partes mais importante em toda a questão.”

A Anatrip escreveu que “essas mudanças visam aprimorar a regulação do setor de transporte rodoviário coletivo interestadual, garantindo acesso aos serviços, modicidade nos preços e maior segurança para os usuários. O novo marco regulatório representa uma consolidação normativa do setor e busca tornar o Brasil uma referência internacional em regulação desse tipo de transporte.”

Comentários