Em entrevista à imprensa nesta terça-feira (3), no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que é imperativo estabelecer um marco regulatório para as redes sociais no Brasil, seja por meio de legislação aprovada pelo Congresso Nacional ou por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o chefe do Executivo, “temos que fazer uma regulamentação, ou pelo Congresso brasileiro, ou pela Suprema Corte. O Xi Jinping ficou de mandar uma pessoa para conversar” .
Na ocasião, Lula destacou que, do ponto de vista do governo brasileiro, as plataformas digitais não podem continuar “cometendo absurdos” sem que haja mecanismos de responsabilização. Ele mencionou, ainda, que o governo da China, liderado por Xi Jinping, confirmou ao Palácio do Planalto que enviará um especialista para dialogar sobre práticas de moderação de conteúdo e restrições a discursos que, em sua avaliação, atentam contra a ordem democrática . A fala ocorreu antes da viagem presidencial a Paris, onde Lula participa de eventos preparatórios para a COP30 .
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Ao explicar a urgência do tema, o presidente invocou o episódio de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Jair Bolsonaro invadiram as dependências do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF. “Não é possível que um cara tente dar um golpe de Estado, como no 8 de janeiro de 2023 neste país, e diga que isso é liberdade de expressão. Que um cidadão possa ofender uma pessoa com as maiores mentiras absurdas e fale que isso é liberdade de expressão”, declarou Lula, enfatizando que, sem regulamentação, as redes sociais se tornam “um banco de mentiras” .
Contexto do debate no Brasil
O debate sobre a regulação das plataformas digitais no Brasil já vinha ganhando força com a tramitação do Projeto de Lei 2.630/2020, também chamado de “PL das Fake News”. Proposto pelo senador Alessandro Vieira, o texto visa responsabilizar civilmente as empresas de tecnologia pela disseminação de conteúdos ilícitos — incluindo crimes contra o Estado Democrático de Direito, atos de terrorismo e incitação à violência — sob pena de multas elevadas. Além disso, o PL 2.630/2020 estabelece regras de moderação para coibir a criação de contas falsas com fins de manipulação de informações .
Ainda assim, o projeto enfrenta forte resistência de setores da indústria de tecnologia e da oposição, que argumentam que a lei pode ferir a liberdade de expressão e impor controle excessivo ao usuário. O fórum de debates no Congresso Nacional tem sido marcado por intensas trocas de farpas entre parlamentares que defendem a “autorregulação” das plataformas e aqueles que advogam por um marco legal mais estrito. Em paralelo, o STF marcou para esta quarta-feira (4) o julgamento de ações que questionam a própria competência da Corte para editar normas sobre redes sociais, abrindo outra frente jurídica para a regulamentação do setor .
Repercussões e críticas
A iniciativa de Lula de recorrer ao governo chinês para obter “orientações” sobre moderação de conteúdo foi duramente criticada pela oposição. Parlamentares de partidos de centro-direita e direita classificaram o pedido como um gesto de submissão a um regime autoritário, alegando que o presidente brasileiro estaria colocando em risco valores democráticos ao buscar inspiração no modelo de controle de informação praticado na China. O senador Rogério Marinho (PL-RN) afirmou, via rede social, que a atitude demonstra “a intenção de implantar uma democracia relativa, alinhada a modelos autoritários” .
Em editorial publicado em 16 de maio, o jornal Gazeta do Povo apontou que o convite a um interlocutor chinês revela um “viés autoritário” do plano de regulação nas redes, pois, segundo a publicação, a China adota práticas de censura que conflitam com os princípios fundamentais da Constituição brasileira, especialmente o direito à livre manifestação do pensamento . Para especialistas ouvidos pela imprensa, essas declarações podem agravar a polarização política interna e desviar o foco do debate para questões de soberania nacional .
Implicações e próximos passos
Tanto no Congresso quanto no STF, o cronograma de análises aguarda posicionamentos conclusivos sobre a competência de cada poder para legislar ou regulamentar o ambiente digital. No âmbito do Parlamento, deputados e senadores têm até o final do mês para apresentar emendas ao PL 2.630/2020, cujo texto-base já passou por comissões, mas ainda não foi votado em plenário. No Supremo, o julgamento desta quarta-feira poderá definir se a Corte terá plenos poderes para editar regras, mesmo sem lei aprovada pelo Congresso, ou se essa atribuição pertence exclusivamente às Casas Legislativas .
Seguindo a estratégia anunciada, o governo aguarda a chegada de um especialista chinês nos próximos dias para realizar reuniões técnicas com integrantes da Casa Civil, do Ministério da Justiça e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. As pautas incluem troca de experiências sobre moderação automática de conteúdos, frameworks de monitoramento de discurso de ódio e protocolos de segurança cibernética. A comitiva brasileira deverá ainda discutir modelos de legislação estrangeira que sirvam de inspiração ao texto final do PL, sem necessariamente replicar integralmente o sistema chinês, embora o governo tenha sinalizado interesse em conhecer detalhes das práticas chinesas de controle digital .
Análise crítica
A decisão de Lula de solicitar auxílio a um país com tradicão autoritária no controle de informação levanta questionamentos sobre os limites entre segurança digital e liberdade de expressão. Em um país democrático, normas de regulação precisam ser construídas com ampla participação da sociedade civil, do setor privado e da academia, buscando equilibrar a prevenção de discursos de ódio e fake news sem tolher o debate público nem criar efeitos colaterais de censura indevida. O fato de o governo brasileiro, que enfrenta diversas crises internas — como a alta inflação, a crise fiscal e as pressões por reformas estruturais —, priorizar o tema das redes sociais com base em referências estrangeiras autoritárias, sugere um desalinhamento com as demandas reais da população e pode aumentar ainda mais a polarização política, sobretudo num momento em que a discussão sobre desinformação já é alvo de controvérsias e embates judiciais .
Conclusão
O debate sobre a regulação das redes sociais no Brasil está longe de se encerrar. Enquanto o Congresso Nacional corre contra o relógio para votar o PL 2.630/2020, o STF definirá, em breve, o escopo de sua atuação no tema. A proposta de Lula de contar com consultoria chinesa, embora embasada no argumento de buscar “experiência técnica” na moderação de conteúdos, tende a repercutir como um movimento controverso, capaz de catalisar protestos de entidades de defesa da liberdade de expressão e de movimentos de direitos humanos. A sociedade brasileira — entre usuários, especialistas em tecnologia e legisladores — permanece atenta às implicações de qualquer norma que mexa com o ambiente digital, pois os rumos do tema poderão definir o futuro das interações online e o equilíbrio entre democracia e tecnologia.
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