A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de proibir o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de conceder entrevistas — inclusive a terceiros — acende um alerta perigoso: até onde o Judiciário pode avançar sem atingir o direito coletivo à informação e à liberdade de imprensa?
Desde que se tornou réu por suposta tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro foi alvo de uma série de medidas cautelares. Como a tornozeleira eletrônica e o recolhimento domiciliar noturno. No entanto, a proibição de se manifestar publicamente ou de ter suas falas retransmitidas pela imprensa ultrapassa, em muito, os limites do aceitável.
O episódio mais recente, a entrevista concedida por Bolsonaro na porta da Câmara dos Deputados, onde mostrou sua tornozeleira e respondeu brevemente a jornalistas, não foi publicado em seus canais oficiais. Ainda assim, a simples circulação das imagens nas redes sociais levou Moraes a exigir esclarecimentos em 24 horas. A ameaça de prisão preventiva por esse motivo não é apenas desproporcional, é simbólica de um novo patamar de conflito entre Poder Judiciário e liberdade de expressão.
O fundamento legal da decisão é claro: evitar que o réu utilize canais de comunicação para mobilizar apoiadores, manipular fatos ou tumultuar o processo. Mas há uma diferença abissal entre restringir o uso de redes sociais para propaganda política e calar uma figura pública perante a imprensa institucionalizada.
Quando um ex-presidente é impedido de conceder entrevistas, ainda que supervisionadas, públicas e gravadas, o que está em jogo não é apenas seu direito individual, mas o direito da sociedade de ouvir, confrontar e interpretar o que ele tem a dizer.
A liberdade de imprensa não existe apenas para proteger jornalistas, mas para garantir à população acesso à pluralidade de vozes, inclusive aquelas com as quais se discorda. E aqui reside o ponto central: a imprensa não pode ser impedida de entrevistar, noticiar ou divulgar o que é de interesse público, sob pena de se tornar cúmplice de um silêncio institucionalizado.
É possível e necessário punir abusos, impedir discursos antidemocráticos e manter o processo judicial íntegro. Mas o caminho para isso não é o cerceamento prévio da fala, e sim a responsabilização posterior por excessos cometidos. Proibir preventivamente que Bolsonaro fale com jornalistas ou que suas declarações sejam publicadas é abrir um precedente grave, que poderá ser usado contra qualquer outro ator político, em qualquer espectro ideológico.
Hoje é Bolsonaro. Amanhã, quem?