Em 1º de setembro de 2025, às vésperas do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF (marcado para terça-feira, 2/9), o Exército determinou internamente “tolerância zero” para aglomerações e manifestações nas proximidades de unidades militares. A diretriz — comunicada a comandos regionais — busca evitar qualquer associação das Forças Armadas com atos de caráter político durante o julgamento e o 7 de Setembro. O Exército não divulgou o texto completo da orientação até o fechamento desta matéria. O silêncio oficial, no entanto, fala alto.
A medida toca um ponto sensível: a fronteira entre a proteção de instalações militares (dever do Exército) e o exercício do direito constitucional de reunião pacífica em locais públicos — direito que não depende de autorização, apenas de prévio aviso à autoridade competente. O inciso XVI do artigo 5º da Constituição é explícito nesse equilíbrio entre liberdade e ordem. Qualquer restrição “em tese” precisa de base legal clara e coordenação com as autoridades civis de segurança pública.
O que a norma militar já proíbe (e para quem) Para militares da ativa, a participação em atos político-partidários já é vedada por legislação e regulamentos próprios — entre eles, o Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980) e o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4). Ou seja: o arcabouço interno para coibir engajamento político de fardados existe há décadas. A novidade agora é a extensão do alcance prático, com “tolerância zero” a aglomerações de civis nos arredores de quartéis durante um evento judicial específico.
Não é a primeira vez que, perto do 7 de Setembro, surgem orientações para evitar associação entre a tropa e manifestações. Em 2022, documentos internos já afastavam a participação de militares em atos no DF. O que distingue 2025 é o “timing”: a diretriz aparece às portas de um julgamento com forte impacto político, o que amplia a percepção de restrição ao espaço cívico — e expõe o Exército a críticas de que confunde neutralidade institucional com contenção preventiva do público civil.
As Forças Armadas têm missão constitucional de garantir a defesa da Pátria e, quando acionadas nos termos legais, a garantia da lei e da ordem. Proteger instalações militares é razoável; interditar, de forma genérica, logradouros públicos no entorno dos quartéis sem amparo explícito de autoridades civis e sem transparência pode resvalar para um terreno juridicamente frágil. Em bom português: prevenir não pode virar pretexto para suspender, por ato administrativo interno, um direito fundamental.
Até aqui, informações sobre a orientação circulam por vias “sob reserva”. Em temas que tocam liberdades constitucionais, publicidade dos atos e fundamentação jurídica deveriam ser regra, não exceção. Tornar pública a base normativa, os perímetros afetados, os prazos e o protocolo de atuação com polícias locais reduziria ruído e judicialização — e protegeria a própria imagem de neutralidade do Exército.
Perguntas que o comando precisa responder
- Qual é o instrumento formal (portaria, diretriz, nota) e seu fundamento legal?
- Quais perímetros e prazos estão sujeitos à “tolerância zero”?
- Como será feita a coordenação com as polícias e as prefeituras/GDF para evitar abusos?
- Haverá rotas alternativas e comunicação prévia ao público afetado?
- A medida vale apenas para o período do julgamento e do 7 de Setembro ou pretende se tornar prática permanente?
Direitos constitucionais não podem ser comprimidos por atos obscuros. Se a intenção é preservar a apoliticidade da Força, o caminho passa por regras claras para os militares — e por respeito transparente à esfera civil. Em tempos de tensão, o melhor antídoto é luz: motivação, limites e duração divulgados de forma oficial.
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