As estatais federais brasileiras registraram um déficit acumulado de R$ 2,73 bilhões entre janeiro e abril de 2025, segundo dados divulgados pelo Banco Central (BC) no relatório “Estatísticas Fiscais” deste mês . Trata-se do maior rombo da série histórica iniciada em 2002, refletindo um crescimento de 62,8% em relação ao mesmo período de 2024, quando o déficit somou R$ 1,68 bilhão .
O que dizem os números
Na metodologia do BC, o cálculo do déficit considera todas as estatais federais, com exceção dos grupos Petrobras e Eletrobras, bem como das instituições financeiras estatais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES) . No mês de abril, especificamente, o saldo negativo foi de R$ 1,4 bilhão, o pior resultado para um único mês na série histórica, superando os R$ 978 milhões registrados em abril de 2024 .
Os números do BC divergem parcialmente daqueles divulgados pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) – órgão vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) – que em janeiro informou déficit primário de R$ 4,04 bilhões para todas as estatais federais em 2024. A diferença decorre de interpretações contábeis distintas: enquanto o BC adota uma metodologia estritamente fiscal, a Sest considera balanços patrimoniais e demonstrações de resultados das empresas . A ministra Esther Dweck (MGI) já ressaltou que há estatais, como Serpro e Dataprev, que tiveram lucro no ano passado, mas ainda aparecem deficitárias nos números do BC .
Contextualização histórica e comparação
Desde o início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, todas as estatais federais registraram déficits no primeiro quadrimestre: R$ 1,84 bilhão em 2023; R$ 1,68 bilhão em 2024; e agora R$ 2,73 bilhões em 2025 . Esse movimento contrasta com a agenda do governo anterior (2019-2022), que chegou a incluir um plano de privatizações para algumas empresas consideradas estratégicas. A partir de 2023, o governo Lula retirou Correios, Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e Ceagesp do Programa Nacional de Desestatização (PND), optando por reforçar o controle estatal e ampliar investimentos via subsídios, o que pressiona as contas públicas .
essa dinâmica ocorre em um cenário de forte pressão fiscal. A dívida bruta do setor público consolidado atingiu R$ 9,2 trilhões em abril, equivalente a 76,2% do Produto Interno Bruto (PIB), com alta de 0,3 ponto percentual em relação a março . Apesar do déficit das estatais, o setor público registrou superávit primário de R$ 14,1 bilhões em abril, graças ao desempenho das contas do Tesouro e do INSS. No entanto, a dívida líquida – que desconsidera ativos – subiu para 61,7% do PIB, deixando claro que o rombo estatal contribui para o agravamento da trajetória de endividamento .
fatores que explicam o déficit
Vários fatores ajudam a explicar a deterioração dos resultados das estatais federais:
- Política de preços e encargos tarifários: em setores como o de correios e telecomunicações, a imposição de tarifas abaixo do custo de mercado, combinada com reajustes limitados, pressiona receitas. No caso dos Correios, o rombo do primeiro trimestre de 2025 alcançou R$ 1,7 bilhão, conforme relatório privado, refletindo custos logísticos elevados e queda no volume de correspondências .
- Intervenções estatais e subsídios: ao retirar estatais do PND, o governo federal reforçou a destinação de subsídios orçamentários e aportes diretos para manter programas sociais e manter preços oficiais. Isso elevou as despesas operacionais e os compromissos financeiros das empresas públicas, sem a contrapartida de receitas suficientes .
- Aumento de custos operacionais: a desvalorização cambial de 2023 para 2025 elevou custos de insumos importados, combustível e tecnologia. Adicionalmente, o reajuste salarial concedido à categoria dos funcionários de estatais – negociado em 2024 e pago ao longo de 2025 – aumentou significativamente as despesas de pessoal, sobretudo em empresas como Serpro e Dataprev, que contabilizam lucros contábeis, mas sofrem impacto de encargos previdenciários e variações atuariais .
- Exclusão de grandes estatais financeiras no cálculo do BC: embora o Banco Central não inclua Banco do Brasil, Caixa e BNDES no cálculo, esses grupos também enfrentam pressão de capital. O resultado reduz a capacidade de compensar déficits operacionais de empresas menores com lucros maiores. A dependência dessas instituições em repasses do Tesouro, por vezes, reflete contingências fiscais que acabam não sendo captadas pela metodologia do BC .
Impactos no arcabouço fiscal e credibilidade
O novo arcabouço fiscal, instituído em agosto de 2023, estabeleceu limites para o crescimento das despesas públicas, que não poderiam exceder 70% do crescimento real da receita, buscando controlar o endividamento . Entretanto, a sucessão de déficits nas estatais comprometeu parcialmente a meta de zerar o déficit primário em 2024 e trouxe riscos à projeção de superávit de 0,5% do PIB em 2025. Com a necessidade de aumento de receitas – via elevação de tributos, parcerias público-privadas ou retomada de privatizações – há dúvidas sobre a viabilidade de cumprir as metas fiscais nos próximos anos .
Para investidores, o rombo histórico nas contas estatais mina a confiança na gestão macroeconômica do país. Agências de classificação de risco alertam que a continuidade desse quadro pode refletir em perda de rating, o que elevaria ainda mais o custo da dívida pública. Especialistas afirmam que o ajuste passa pela readequação do modelo de governança das estatais, maior transparência nos balanços e restrição a novos subsídios sem contrapartida de desempenho financeiro .
Repercussões políticas e próximas etapas
O cenário político se torna mais acirrado em ano de preparação para as eleições de 2026. A oposição já questiona o Executivo federal sobre o impacto dos déficits das estatais no financiamento de políticas sociais, sobretudo em áreas estratégicas como saúde e educação. Parlamentares de partidos de centro e de direita pedem audiências públicas para cobrar responsabilização dos conselhos de administração e diretores-gerais, além de acelerar a retomada de processos de privatização, apontados como solução para reduzir o peso fiscal .
Do ponto de vista técnico, o próximo relatório “Estatísticas Fiscais” de junho deve trazer a evolução dos déficits e as medidas adotadas pelos ministérios setoriais para mitigar as perdas. O Ministério da Economia avalia hoje chamadas de aportes emergenciais a empresas estratégicas, mas não descarta ampliar parcerias com a iniciativa privada em concessões logísticas, rodoviárias e de infraestrutura digital, buscando aliviar o caixa público .
Contraste com estatais estaduais e municipais
Enquanto as estatais federais seguem acumulando déficits, as empresas estatais estaduais registraram superávit de R$ 573 milhões de janeiro a abril, e as municipais, um déficit de R$ 532 milhões, passo a passo indicando que a estabilidade financeira no nível local depende de menor interferência política direta e de maior autonomia gerencial . No setor público consolidado, as finanças estaduais têm apresentado melhor desempenho graças a ajustes fiscais locais e à retenção de receitas próprias, diferentemente das estatais federais, que seguem sob influência de decisões estratégicas de Brasília.
O déficit recorde de R$ 2,73 bilhões nos quatro primeiros meses de 2025 expõe o desafio fiscal do governo federal em conciliar políticas de expansão de programas sociais com a necessidade de equilíbrio das contas públicas. A continuidade desse quadro aponta para debates intensos sobre governança, privatizações e reestruturação das estatais. Em tempos de arcabouço fiscal mais rígido e eleições nacionais no horizonte, a gestão das empresas públicas será, sem dúvida, elemento central na avaliação da credibilidade econômica do Brasil.
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