Mesmo com o transporte gratuito do programa Vai de Graça — que facilita o deslocamento no DF — o ato contra o PL da Anistia e a chamada PEC da Blindagem, no Museu da República, ficou aquém do barulho nas redes. Pela análise da imagem enviada à redação, a faixa de público visível ficou entre 900 e 1.500 pessoas. Para um evento anunciado como “mobilização nacional”, o saldo em Brasília foi modesto. Sem espuma: pouco corpo, muito microfone.
Corpo da matéria O contraste entre promessa e realidade ficou evidente já no início. Com a gratuidade no transporte ajudando a derrubar barreiras logísticas, a expectativa era de uma massa expressiva. Não aconteceu. O público estimado no enquadramento analisado ficou em torno de mil pessoas — número compatível com relatos colhidos pela reportagem ao longo do dia.
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No palanque, José Dirceu ressurgiu como voz da “moralidade”. O ex-ministro, condenado por corrupção e hoje beneficiado pela anistia ampla, geral e irrestrita, atacou “salários baixos” e a jornada de “seis dias por semana” — discurso pronto para um comício de oposição. Faltou combinar com o espelho: quem governa é o próprio campo político de Dirceu. Criticar “o governo” quando se é “o governo” dá a medida da contradição.
Outro ponto sensível levantado à redação: leitores e participantes relataram a presença de bandeiras de sindicatos hasteadas sem autorização prévia das categorias. Se confirmado, trata-se de grave negligência organizacional — uso de identidades coletivas como adereço cenográfico, sem respaldo da base. A prática turva a legitimidade do ato e abre margem para questionamentos éticos e, eventualmente, jurídicos.

A alegada “organicidade” da mobilização também não resiste à comparação com o que se viu noutros estados: trio elétrico e artistas famosos foram acionados como chamariz — fórmula de show para suprir o que a pauta não entregou de engajamento espontâneo. Em Brasília, sem espetáculo, a plateia murchou. Quando o evento precisa de palco, som e celebridades para existir, não é exatamente a rua que está puxando, é a produção.
Nada disso esvazia a gravidade do debate sobre anistia e “blindagens” institucionais. A pauta merece ser discutida com seriedade. Mas seriedade pede coerência: quem se beneficia de anistia não é a pessoa mais indicada para monopolizar a palavra sobre moral pública; quem usa marcas sindicais sem aval não pode falar em “democracia de base”; e quem promete multidão não deveria entregar figuração.
O Vai de Graça segue como política pública de mobilidade que reduz custo de deslocamento e dinamiza a economia local. Se nem assim a militância compareceu em peso, o problema não é ônibus — é narrativa.
Por: Hamilton Silva — jornalista, editor-chefe do DFMobilidade, vice-presidente do Rotary Club de Brasília e diretor da ABBP.