O governo federal voltou a discutir a retomada do horário de verão ainda em 2025. O Ministério de Minas e Energia (MME) afirma que o tema “é permanentemente avaliado” e que a análise atual considera projeções sobre o pico noturno de demanda — justamente quando a geração solar sai de cena e o consumo sobe. Falta, porém, o essencial: metas quantificadas, custos, benefícios e prazos realistas para uma medida que impacta rotinas, sistemas e cadeias críticas como aviação e bancos.
Desde 2024, o Operador Nacional do Sistema (ONS) vem sinalizando que o adiantamento de uma hora pode aliviar a “ponta” entre 18h e 20h, reduzindo a necessidade de térmicas e ajudando o atendimento do Sistema Interligado Nacional — um argumento de operação do sistema, não de “economia de energia” no agregado. Em julho deste ano, o ONS voltou a defender a medida no contexto de calor extremo e demanda elevada. Ainda assim, o governo não apresentou estimativas transparentes de redução de carga (em MW) nem de custo evitado.
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O vaivém técnico exige cautela. Em 2018–2019, estudos do próprio setor concluíram que o horário de verão havia perdido eficácia econômica diante da mudança do perfil de consumo (ar-condicionado no meio da tarde), razão pela qual foi suspenso por decreto em 2019. Se agora a realidade mudou — ondas de calor persistentes, pico noturno mais agudo, expansão fotovoltaica — o governo deve demonstrar, com dados, que a medida deixou de ser neutra e passou a ser vantajosa. Caso contrário, soa a remendo de curto prazo para um problema estrutural.
O ponto crítico é a transparência. Até aqui, não há consulta pública específica sobre horário de verão na página do MME, enquanto outras pautas do setor — como a abertura total do mercado livre para residenciais e pequenos comércios — já estão formalmente em discussão. Se a intenção é mexer no relógio de milhões de brasileiros, o mínimo é abrir as planilhas: qual o efeito esperado por região? Qual o impacto tarifário? Qual a influência sobre emissões ao reduzir (ou não) o despacho térmico?
Também há um fator operacional incontornável: o retorno do horário de verão exige novo decreto presidencial — o de 2008 que fixava calendário foi revogado e, em 2019, outro decreto encerrou a prática. Com o calendário avançado, qualquer decisão apressada aumenta o risco de transtornos em companhias aéreas, sistemas bancários e TI, historicamente sensíveis a mudanças tardias. Planejamento não combina com improviso.
No mérito, a discussão não é ideológica: é técnica. Se o horário de verão ajuda a “achatar” a ponta noturna em cenário de calor extremo e forte penetração solar, apresente-se o número — e o cronograma. Se não ajuda, ataque-se a raiz do problema: resposta da demanda, leilões de potência de ponta, eficiência em refrigeração, etiquetagem mais dura para ar-condicionado e reforço de transmissão. Entre um relógio adiantado e um sistema moderno, o contribuinte sabe qual reforma vale mais.
O governo deve uma resposta objetiva, com base em dados, e não mais um anúncio de ocasião. O relógio pode até mudar; o que não pode é a falta de planejamento.