A Ucrânia intensificou a ofensiva diplomática para transformar cerca de US$ 300 bilhões de ativos do Banco Central da Rússia, congelados por G7 e UE, em fonte de financiamento para reconstrução e dissuasão militar. Segundo documento citado por agências internacionais, Kiev propôs comprar cerca de US$ 100 bilhões em armamentos norte-americanos — com financiamento europeu — como parte de um pacote que busca “garantias de segurança” dos EUA após um eventual acordo de paz.
O QUE DIZ A PROPOSTA De acordo com o relato reportado pela Reuters a partir de um documento visto pelo Financial Times, o plano ucraniano combina (1) um compromisso de aquisição de sistemas de defesa dos EUA — como baterias Patriot — e (2) um acordo industrial adicional para produção de drones com empresas ucranianas, estimado em US$ 50 bilhões. A sinalização pretende ancorar um arranjo de garantias dos Estados Unidos e de aliados europeus.
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DE ONDE VIRIA O DINHEIRO A base financeira discutida nas capitais ocidentais não é a confiscação imediata do principal dos ativos russos, mas o uso das receitas (os “lucros extraordinários”) geradas por esses recursos imobilizados em praças europeias, com ênfase em Euroclear, na Bélgica. Em 2024, esses rendimentos somaram bilhões de dólares, tributados pelo governo belga e canalizados à Ucrânia. A UE já aprovou o arcabouço para destinar esses lucros extraordinários a apoio militar e à reconstrução, e começou a desembolsar sua parte no empréstimo do G7, que será pago com essas receitas.
O TOTAL CONGELADO Os parceiros ocidentais estimam aproximadamente €300 bilhões (cerca de US$ 300 bilhões) em reservas estatais russas bloqueadas — dois terços retidas na UE. Esse montante segue juridicamente imobilizado desde 2022.
POR QUE EMPRESAS DOS EUA ENTRAM NA EQUAÇÃO Com a Europa financiando parte do esforço e os EUA fornecendo sistemas e tecnologia de defesa, uma fração relevante do fluxo financeiro tende a percorrer a cadeia de fornecedores norte-americana — via compras governamentais e coproduções — ainda que o lastro imediato sejam as receitas sobre ativos russos congelados e não, hoje, a expropriação do principal. O Tesouro dos EUA e o G7 estruturaram um empréstimo-ponte de US$ 50 bilhões para Kiev, também garantido por essas receitas.
OS ENTRAVES LEGAIS Autoridades europeias admitem que não há consenso para confiscar o principal dos ativos do Banco Central russo; por ora, o caminho viável é usar lucros e impostos gerados durante a imobilização, reduzindo risco jurídico e impacto sistêmico sobre a praça financeira europeia.
IMPLICAÇÕES GEOPOLÍTICAS A proposta busca três efeitos: (1) ancorar um cessar-fogo com dissuasão crível, (2) dar previsibilidade a recursos de reconstrução e (3) alinhar interesses industriais dos aliados, especialmente dos EUA. A negociação de “garantias de segurança” pós-guerra, sem ingresso imediato na Otan, tornou-se o eixo do debate em Washington e capitais europeias.
O QUE AINDA FALTA ESCLARECER • Como será repartido, na prática, o fluxo dos lucros extraordinários entre ajuda militar, indústria de defesa e obras civis.
• O desenho jurídico definitivo para evitar litígios ao tocar em reservas soberanas — e se algum país avançará além do uso das receitas para confiscar parte do principal.
• Os prazos e gatilhos das “garantias de segurança” caso a Rússia descumpra termos de um eventual acordo.
Contexto • Em dezembro de 2024, o G7 estruturou um empréstimo coletivo de US$ 50 bilhões a ser pago com as receitas geradas pelos ativos russos imobilizados. A UE começou a repassar sua cota em janeiro de 2025.
• A maior parte dos ativos está na Europa, sobretudo na Euroclear; o governo belga tributa os rendimentos e direciona parte à Ucrânia.
A discussão sobre usar receitas de ativos russos congelados para financiar garantias e reconstrução expõe um realinhamento de interesses: segurança coletiva europeia, indústria de defesa norte-americana e necessidade urgente de caixa em Kiev. O desenho busca contornar riscos jurídicos da expropriação direta, mas aprofunda a dependência da Ucrânia de um arranjo financeiro e militar ancorado em Washington e Bruxelas — tema que seguirá testando a coesão do Ocidente e o apetite dos contribuintes.