Em postagem na rede social X na tarde de domingo (13/7), o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo afirmou que, desde 2003, o governo Luiz Inácio Lula da Silva e “operadores do sistema” teriam deliberadamente limitado o intercâmbio econômico do Brasil com os Estados Unidos, ao passo que teriam estimulado relações comerciais e de investimentos com a China .
Araújo, que chefiou o Itamaraty entre 2019 e 2021 no governo Jair Bolsonaro, sustenta que a estratégia teria como objetivo principal proteger “o sistema” de eventuais riscos advindos do padrão dólar – moeda que traduz a ordem econômica ocidental democrática – e favorecer, em contraponto, uma futura “moeda dos BRICS” atrelada ao Partido Comunista Chinês.
Contexto do autor e da declaração
Ernesto Araújo, formado em Relações Internacionais e diplomata de carreira, ganhou destaque em sua gestão por visões fortemente alinhadas ao conservadorismo norte-americano e críticas contundentes ao globalismo. Sua publicação torna-se mais uma manifestação no debate sobre o grau de autonomia da política comercial brasileira e a influência exercida por grandes potências.
Evolução do comércio Brasil–Estados Unidos e Brasil–China
- Brasil – EUA: Em 2023, as exportações brasileiras de bens industrializados e de alta tecnologia para os Estados Unidos alcançaram US$ 29,9 bilhões, consolidando o país como principal destino desses produtos .
- Brasil – China: Em um intervalo de 20 anos, a corrente de comércio bilateral subiu de US$ 6,6 bilhões em 2003 para US$ 157,5 bilhões em 2023, tornando a China o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009 .
Esses números confirmam a reorientação gradual da pauta exportadora — de manufaturas de maior valor agregado voltadas aos EUA para commodities e energia voltadas à China —, fenômeno intensificado na última década.
Investimentos chineses no Brasil
- 2021: Segundo o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), empresas chinesas iniciaram 28 projetos no país, com aportes de US$ 5,9 bilhões, tornando o Brasil o maior receptor mundial de investimentos chineses naquele ano .
- 2023: Os investimentos totalizaram US$ 1,73 bilhão, um crescimento de 33% sobre 2022, dos quais 72% foram direcionados a energias verdes e veículos elétricos — a maior participação setorial desde 2007 .
Araújo sustenta que esses fluxos teriam sido empregados para “neutralizar e descaracterizar” o governo Bolsonaro entre 2019 e 2021. Especialistas observam, porém, que o crescimento das fusões e aquisições chinesas está atrelado a interesses em modernização de infraestrutura e transição energética, e não a manobras políticas diretas.
Proposta de desdolarização e moeda dos BRICS
No encontro de Ministros das Finanças dos BRICS em fevereiro de 2024, em São Paulo, houve discussão preliminar sobre um sistema de pagamentos alternativo e até a criação de uma moeda comum para transações intra-bloco . O presidente Lula reforçou essa ideia na cúpula de julho de 2024 em Joanesburgo, defendendo menos dependência do dólar e maior autonomia dos países emergentes.
Analistas apontam, contudo, que a constituição de uma divisa única enfrenta obstáculos econômicos e políticos: variações de regimes cambiais, restrições de sanções e diferenças estruturais entre os membros dos BRICS. Até o momento, o uso de moedas locais em trocas comerciais dentro do bloco segue restrito a acordos bilaterais pontuais.
Perspectivas e desdobramentos
- Diversificação vs. Dependência: A maior presença chinesa no comércio e no investimento brasileiro reflete tanto uma oportunidade de diversificação de mercados quanto um risco de dependência excessiva em commodities e capitais externos.
- Impulso geopolítico: A discussão sobre um sistema financeiro paralelo ao dólar ganha relevo num contexto de rivalidades globais, mas sua efetivação demandará anos de negociações e a superação de divergências internas.
A declaração de Ernesto Araújo reacende o debate sobre a autonomia da política econômica brasileira, confrontando interesses históricos e as pressões de atores globais. Resta saber em que medida as recentes iniciativas dos BRICS se materializarão e como o Brasil equilibrará seus relacionamentos com Washington e Pequim.
Acompanhe o DFMobilidade nas redes sociais
• Facebook: facebook.com/dfmobilidade
• X (ex-Twitter): x.com/dfmobilidade
• Instagram: instagram.com/dfmobilidade
• YouTube: youtube.com/dfmobilidade