Mensagens obtidas pela Polícia Federal na investigação sobre o perito Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e divulgadas pela Gazeta do Povo, revelam que ele temia ser preso ou até morto por ordem do ministro, caso contasse publicamente o que sabia.
“Se eu falar algo, o Ministro me mata ou me prende”, escreveu Tagliaferro, em 31 de março de 2024, à esposa, pelo WhatsApp. No mesmo diálogo, expressou vontade de “contar tudo de Brasília” antes de morrer. “Minha vontade, é chutar o pau da barraca, jogar tudo para o alto”, afirmou.
As conversas foram obtidas pela PF no inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal (STF).
O perito foi chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) entre agosto de 2022 e maio de 2023, quando foi exonerado por Moraes, um dia após ser preso em Caieiras (SP) por conta de um incidente doméstico envolvendo disparo de arma de fogo. A PF afirma que ele vazou mensagens internas do TSE à imprensa, revelando como Moraes usava relatórios da AEED para bloquear perfis e remover postagens de opositores nas redes sociais.
Em abril deste ano, Tagliaferro foi indiciado por violação de sigilo funcional com dano à administração pública. A pena pode chegar a seis anos de prisão. O inquérito, que segue sob relatoria de Moraes, foi enviado à Procuradoria-Geral da República, que decidirá se oferece denúncia.
A PF divulgou prints das conversas entre o perito e sua mulher, em diálogos ocorridos entre março e novembro de 2024. Os trechos revelam desabafos sobre o ex-chefe e temor de represálias.
“Sabe que hoje, se eu falar algo, o Ministro me mata ou me prende, ele é um FDP”, escreveu o ex-assessor.
Ele também comparou sua situação com a do tenente-coronel Mauro Cid: “Veja pelo Cid, falou em um grupo privado, algo que nem seria crime, somente comentou uma verdade, o FDP mandou prender ele de novo”.
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, foi preso novamente após um áudio vazar na imprensa, em que ele denunciava pressões para confirmar uma narrativa na delação premiada. Após o vazamento, Moraes ordenou sua prisão.
“Parece que a vida é boa para quem é ruim/ Cheguei a essa conclusão”, escreveu Tagliaferro em outra conversa. Em seguida, voltou a falar da vontade de se expor: “Meter o louco e não fazer mais nada, mas não posso, tenho as meninas”.
No dia 23 de abril, o perito relatou à esposa que havia falado com a Folha de S.Paulo: “Estão investigando o ministro”, escreveu. Ela demonstrou preocupação: “Não falou besteira né?”. Ele respondeu: “O necessário/ Mas não serei identificado”. E acrescentou: “Se eu morrer, já sabe rsrs”.
No mesmo dia, ele refletiu: “Falei como a área funcionava”, se referindo à atuação da AEED durante sua gestão no TSE. Em seguida, enviou à esposa um PDF com relatório sobre o caso em que Carla Zambelli correu armada atrás de um eleitor de Lula em 2022.
Dias depois, a esposa questiona se ele teria que “sair do Brasil” após a publicação da reportagem. Tagliaferro negou, mas voltou ao tema mais de uma vez.
A investigação da PF menciona que, embora o inquérito seja público, as mensagens capturadas no celular — de caráter pessoal — não foram protegidas sob sigilo. Em geral, esse tipo de material costuma ser separado e mantido em segredo de Justiça, mas neste caso, a PF disponibilizou os arquivos abertamente.
Moraes, relator do inquérito, alegou que o vazamento de mensagens teria ocorrido com o intuito de “atribuir e/ou insinuar a prática de atos ilícitos por membros” do STF, e que o caso se insere no contexto de “reiterados ataques institucionais ao Poder Judiciário”.
“Eu só trabalho com a verdade/ Mesmo ela não sendo a melhor opção”, escreveu Tagliaferro, em tom de desabafo.