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Impasse na Ucrânia deixa Europa à beira da guerra

Presidente da Rússia Vladimir Putin, conversa com presidente americano, Joe Biden | Foto: Mikhail Metzel/pool/Tass
Presidente da Rússia Vladimir Putin, conversa com presidente americano, Joe Biden | Foto: Mikhail Metzel/pool/Tass

Diplomatas e analistas comparam tensão em negociações entre Estados Unidos e Rússia à Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962

O impasse nas negociações entre Estados Unidos e Rússia sobre a situação geopolítica da Ucrânia nesta semana está sendo comparado por analistas e diplomatas à crise dos mísseis de Cuba, de 1962. As saídas diplomáticas estão se esgotando e a possibilidade de guerra na Ucrânia está sobre a mesa.

O diplomata russo Sergei Ryabkov é o autor da comparação com o episódio que quase levou o mundo à guerra nuclear em outubro de 1962, mas acabou em solução diplomática.

Ele deu a declaração após o reinício, na última segunda-feira, 10, das negociações entre Rússia e EUA sobre a expansão da Otan (aliança militar ocidental) em direção a países do Leste Europeu — principalmente a Ucrânia.

Nesta quarta-feira, 12, representantes da Otan e da Rússia se reuniram em Genebra e o impasse continuou. “Há um risco real de um novo conflito armado na Europa”,  disse secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, após o encontro.

“A possibilidade de uma guerra na Europa nunca esteve tão alta desde o fim da Guerra Fria. Dá para comparar, sim, com a Crise dos Mísseis”, disse o coronel da reserva do Exército e analista militar Paulo Roberto da Silva Gomes Filho.

“É uma negociação tensa, à beira da guerra. Mas, se vai acontecer ou não, se vão encontrar outras soluções, nós vamos ver”, disse.

De acordo com o capitão de fragata da reserva Robinson Farinazzo, do Canal Arte da Guerra, no YouTube, o impasse atual é a Crise dos Mísseis às avessas.

“Naquela época, você tinha os mísseis em Cuba que ameaçavam os EUA, agora você tem uma expansão da Otan em direção a leste que ameaça a Rússia”, disse.

Expansão da Otan pode gerar guerra na Ucrânia

O atual impasse começou em novembro de 2021, quando Moscou enviou 100 mil militares, artilharia e aeronaves para a fronteira com a Ucrânia.

O objetivo era forçar uma negociação com os Estados Unidos para tentar conter a expansão da Otan em direção a Ucrânia, Geórgia e Bálcãs — países que o Kremlin acredita estar em sua área de influência.

Segundo Gomes Filho, o governo do presidente russo Vladimir Putin avaliou que esse seria o momento mais favorável para a ação. Isso porque os Estados Unidos estão com suas energias voltadas para conter o avanço militar da China no Indo-Pacífico.

Por isso, para tirar suas tropas da fronteira, a Rússia fez as seguintes exigências:

  • a Otan não deve aceitar nenhum novo membro, especialmente a Ucrânia;
  • tropas da aliança devem ser retiradas de países que entraram na Otan após 1997;
  • não devem ser instalados na região mísseis de curto e médio alcance que possam atingir a Rússia;
  • a Otan deve se comprometer a não realizar exercícios militares na Ucrânia, na Europa Oriental, no Sul do Cáucaso e na Ásia Central. A Rússia faria o mesmo na porção equivalente de seu território.

Para Gomes Filho, só há margem de negociação para a questão dos mísseis e dos exercícios militares. Os outros pontos não serão aceitos pelos Estados Unidos.

“Putin também sabe que isso não é viável. Ele está pedindo o ideal para levar o desejável”, disse Farinazzo.

Por isso, segundo ele, o objetivo real de Putin pode ser evitar a expansão da Otan para a Ucrânia e a Geórgia.

Como seria uma ação militar?

O analista militar disse não acreditar que as negociações atuais tenham sucesso, mas afirmou que pode ocorrer um acordo não oficial que evite ações militares imediatas na região.

Contudo, a Rússia vem afirmando que não tem a intenção de invadir a Ucrânia.

Isso não significa que não haveria ação militar. Putin tem outras possibilidades além de uma invasão terrestre. Segundo Farinazzo, ele pode criar uma zona de exclusão aérea na região, fazer um bloqueio naval ou mesmo bombardear regiões estratégicas na Ucrânia.

Segundo Gomes Filho, outras opções são a Rússia incentivar mais movimentos separatistas na região, financiar rebeldes ou invadir apenas parcelas do país.

Estrategicamente, um cenário possível seria tropas ou rebeldes russos tentarem avançar até a metade do território ucraniano, até o Rio Dniepre. A região é habitada por uma grande quantidade de russos.

Assim, isso também criaria uma ligação terrestre com a Crimea, já sob domínio russo.

Para Farinazzo, a invasão terrestre poderia ser relativamente fácil para Moscou, mas manter o território ocupado poderia trazer grande desgaste a longo prazo. Por isso, Putin tentaria evitar essa opção.

O que não está claro é se a Otan ou os Estados Unidos estariam dispostos a tentar conter essa eventual invasão por meio militar. Se isso acontecesse, a Europa poderia ser arrastada para um conflito de larga escala.

Até agora, os Estados Unidos têm ameaçado a Rússia prometendo impor severas sanções econômicas para impedir a invasão da Ucrânia. Entre elas está o desligamento da Rússia do sistema Swift, que possibilita transações financeiras internacionais.

Porém, a parceria estratégica e comercial que a Rússia tem com a China a torna menos vulnerável a sanções econômicas das potências ocidentais.

“O que eu acho é que Putin não vai sair dessa história sem obter nenhuma concessão”, disse Farinazzo.

Motivações para guerra na Ucrânia

Segundo o major da reserva do Exército Nelson Ricardo Fernandes Silva, analista da ARP Risk baseado na Geórgia, uma das principais motivações dos atritos é a disputa por mercados.

A população da Europa está envelhecendo, e o bloco precisa de novos mercados. Mas, para ter as portas abertas em países no Leste Europeu, a União Europeia precisaria garantir segurança a eles por meio da Otan. A Rússia, por sua vez, também quer exercer influência nesses mercados.

De acordo com Farinazzo e Gomes Filho, também há raízes históricas e militares no atual impasse. Na época da União Soviética, a Rússia controlava países como Polônia, República Tcheca e Eslováquia, que funcionavam como uma barreira de proteção contra o Ocidente.

Havia mais tempo, por exemplo, para a Rússia identificar um eventual ataque de mísseis. Ao perder esses países, Moscou se viu em uma situação mais vulnerável.

Segundo Farinazzo, o medo de uma invasão vinda do oeste é uma questão “atávica” na Rússia. Ela remete principalmente às campanhas napoleônicas e da Segunda Guerra. “Não podemos desprezar nesse raciocínio o lado predador do Ocidente”, afirmou.

No início dos anos 2000, Putin chegou a ensaiar um esforço para que a Rússia passasse a integrar a Otan, mas as negociações diplomáticas não avançaram.

Para Gomes Filho, o que chamou a atenção foi o fato de Estados Unidos e Rússia retomarem as negociações apenas entre si. Eles não consultaram a Ucrânia, diretamente interessada no assunto. E os países da Otan só começam a participar dos debates nesta quarta-feira, 12.

“É uma mentalidade de Guerra Fria”, afirmou.

*Com informações da Revista Oeste

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